No século XX as vanguardas européias propunham diferentes formas
de pensar e produzir arte inspirados na velocidade e no dinamismo da produção
industrial, e sobre influência de grandes transformações sociais que vinham
ocorrendo desde o século anterior, como as unificações políticas nacionais, as
disputas por mercados internacionais (coloniais), o socialismo e a consolidação
do Estado liberal burguês.
De 1909 a
1924 o mundo viu surgir uma série de manifestos e movimentos que inovaram e
revolucionaram a arte. Uma revolução que acompanhou a primeira grande crise
política decorrente da nova ordem do capitalismo industrial, e que rompe de vez
com a estética do século XIX.
Um destes movimentos foi o Futurismo, que surge em meio a
uma convulsão política na Itália: o conflito austro-italiano. Encabeçado por
Filippo Tommaso Marinetti, egípcio de ascendência italiana e de educação
francesa, o Futurismo pretendia reformular as artes, rejeitando seu conceito de
tradição histórica.
O primeiro manifesto futurista foi publicado no jornal
parisiense Le Fígaro, no dia 20 de fevereiro de 1909. Ultrapassando as
fronteiras italianas, num ímpeto de que o movimento fosse mundial e não apenas
provincial, logo o Futurismo ganhou outros países e abrangeu diversos campos
artísticos: teatro, performance, pintura, música etc. Ainda em 1909, Marinetti
estreia no Théâtre de lÓeuvre a peça Roi Bombance, claramente inspirada no Ubu
Roi e na patafísica de Alfred Jarry (1873-1907). Vale ressaltar que Jarry foi
um artista anárquico, que atacava as convenções sociais de modo satírico e
grotesco.
O Futurismo voltava-se contra o culto da tradição e da
comercialização da arte, e louvava o militarismo patriótico e a guerra, além de
expressar um forte sentimento misógino.
Em um de seus manifestos subseqüentes lia-se “velocidade e
amor ao perigo”, e a instrução aos pintores de “ir às ruas, incitar a violência
a partir dos teatros e introduzir o pugilato na batalha artística...” (RoseLee,
2006). Violência, combate belicoso, dinamismo, sons de artilharia e
metralhadora foram os epígrafes desta forma de arte.
Marinetti chegou a ser preso junto com Benito Mussolini em
1915, por fazerem discursos intervencionistas pedindo a entrada da Itália na primeira
grande guerra.
O longa-metragem Vincere (2009), produção franco-italiana dirigida
por Marco Bellocchio, usa como título e tema uma canção famosa fascista chama
Vincere (Vencer). É notável que em algumas sequências o diretor utiliza a estética futurista para
retratar o espírito desse tempo. Há trechos documentais, imagens de época, onde
aparecem em destaque os cartazes futuristas, principalmente aqueles que
serviram para propagar os ideais fascistas.
O filme trata da relação entre Benito Mussolini (Filippo
Timi) e Ida Dalser (Giovanna Mezzogiorno), que depois de casada com Mussolini
dá luz a um filho, Benito Albino, que foi reconhecido, e em seguida renegado
pelo pai.
Eles se conhecem em Milão, quando Mussolini é ainda um enérgico
jovem socialista, revelando-se um líder radical que pretende orientar o povo
italiano contra a Igreja e a monarquia. Apaixonada, Ida vende tudo o que tem
para financiar o Il Popolo d`Italia, jornal que se tornaria núcleo do futuro Partido Fascista.
Após alistar-se no exército e partir para a Primeira Guerra
Mundial, Mussolini desaparece. Ida o reencontra tempos mais tarde casado com
outra mulher. Indignada, ela exige seus direitos de esposa legítima e mãe de
seu filho primogênito. Perseguida pela polícia do regime fascista no intuito de
destruir qualquer vestígio de seu relacionamento com o ditador, Ida acaba sendo
levada à força para um manicômio onde fica trancada por mais de 11 anos, sendo
torturada, humilhada e impedida de ver seu filho.
Outro movimento importante da vanguarda artística moderna
foi o Dadaímos, que surge em Zurique, também em meio a Primeira Guerra Mundial,
mas logo ganha alcance internacional. Os dadaístas procuravam desmistificar uma
sociedade que em prol da ciência e do progresso espalhavam a destruição e a
carnificina.
Revoltados com a guerra “acreditavam que a única esperança
para a sociedade era destruir aqueles sistemas baseados na razão e na lógica,
substituindo-os por valores ancorados na anarquia, no primitivo e no irracional”
(Dempsey, 2003).
O documentário “Arquitetura da destruição” (1989), produzido
e dirigido pelo cineasta sueco Peter Cohen, mostra a perseguição sofrida por
artistas, e a chacina monstruosa promovida pelos nazistas com o objetivo
principal de “embelezar” o mundo.
Hitler era um pintor fracassado, artista frustrado, amante
do classicismo e da obra de Wagner. Em 19 de julho de 1937 promove na cidade de
Munique, na Alemanha, uma exposição que marca o ápice da campanha pública do
regime nazista contra a arte moderna: a mostra internacional “Entartete
Kunst”, a “Arte Degenerada”.
Dentre as obras expostas (confiscadas, e algumas destruídas)
estão aquelas do movimento dada, assim como obras cubistas, expressionistas,
surrealistas e de todos os movimentos modernos que se contrapunham ao ideal
artístico nazista que visava recuperar as formas clássicas, e enaltecer o corpo
e a condição física da raça ariana, sua “pureza e beleza”. Esses ideais funcionaram
como peça chave da construção de um imaginário que buscava a recuperação da
raça alemã, que supostamente encontrava-se degenerada pela contaminação de
elementos inferiores e nocivos.
A razão torpe desse tempo de convulsões sociais foi mote
para muitos artistas. Dentre eles o pintor e fotógrafo americano, Man Ray que
junto a Marcel Duchamp fundou o movimento dada nova-iorquino, e posteriormente
como cineasta lançou diversos filmes surrealistas.
O primeiro foi “Le Retour à La Raison” (1923), filmado em um
só dia. O título é paradoxal, pois logo o filme revela-se inteiramente sem
razão. A recepção não foi positiva causando uma reação violenta por parte do
público que interrompeu a projeção após um minuto.
No primeiro manifesto surrealista lançado por André Breton
em 1924, o movimento é exposto como “o pensamento que é expresso na ausência de
qualquer controle exercido pela razão, e alheio a todas as considerações morais
e estéticas” (Dempsey, 2003). Ao estarrecimento diante da promessa não cumprida
pela modernidade, e o desgosto do homem em face de seu destino, resta o elogio
a loucura como forma libertadora da imaginação, “o surrealismo libertaria o
inconsciente, reconciliando com o consciente, e também livraria a humanidade
dos grilhões da lógica e da razão, que até então haviam reduzido unicamente à
guerra e à dominação” (Dempsey, 2003).
Neste sentido, o filme de Man Ray é totalmente despreocupado
com a narrativa e a linearidade. Todo em preto e branco, a cena inicial é uma
sequência de imagens granuladas, com pregos soltos e outros objetos metálicos
colocados diretamente sobre a película; uma cone de papel, um relógio, um carrossel,
e engrenagens de máquinas. Em meio a essas imagens uma palavra: “DANCER”; e o
giro do torso nu de uma mulher.
Os significados e interpretações para estas sequências são múltiplos,
cumprindo o propósito de atiçar os sentidos, numa atmosfera fantástica, e nos
levando a pensar que a razão do homem é algo ininteligível.
Bibliografia:
Goldberg, RoseLee. A arte da performance: do futurismo ao presente. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
Dempsey, Amy. Estilos, escolas e movimentos. São Paulo - Cosac Naify, 2003.
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