Em 1924, com o filme Ballet Mécanique, o artista Fernand
Léger levava para o cinema de vanguarda um discurso acerca da velocidade do
trabalho maquinal numa sociedade industrializada, em que novos elementos, como
os produtos manufaturados, contrastam com a presença humana. Léger discorre
sobre a interpretação de significados dentro de uma obra, mostrando cenas como
aquela em que imagens do número zero ganham um sentido diverso na medida em que
são relacionadas com determinada frase. O recurso da repetição está presente e
estrutura o filme. As imagens de Ballet Mécanique remetem à velocidade maquinal
presente na rotina da sociedade industrializada. Este tema de interesse para
Léger se relaciona diretamente com os fundamentos do futurismo idealizado por Filippo
Tommaso Marinetti, especialmente a paixão pela velocidade e pela tecnologia.
À época de Ballet Mécanique, os artistas do chamado cinema avant-garde encontraram nas imagens em
movimento um campo vasto para a pesquisa de um novo espaço plástico; Léger explora
abundantemente as trucagens possibilitadas pela montagem, por exemplo, e essa
investigação de uma tecnologia relativamente recente permitia ao artista criar
obras de arte que se colocassem como uma resposta – e como uma crítica- ao
academicismo. Tal postura em relação à tradição acadêmica era uma das
características do dadaísmo, que buscava desafiar o status quo em todas as suas instâncias e fora responsável por
introduzir, com Marcel Duchamp, a noção de arte enquanto ideia, assim como a
afirmação de que ela poderia ser realizada a partir de qualquer coisa. Em seu
espírito transgressor, porém, o dadaísmo pouco se assemelha ao futurismo. Enquanto
o primeiro buscava uma liberdade expressiva total, onde a guerra era,
sobretudo, o alvo de uma indignação crítica, o segundo exaltava a guerra e
consolidava seus preceitos sobre bases totalitaristas.
É importante apontar que o ano de Ballet Mécanique foi também
o ano em que o poeta francês André Breton lançava o surrealismo, que, de forma
semelhante ao dadaísmo, mas com outro viés, buscava uma revolta contra os
moldes estabelecidos pela sociedade e prezava a libertação do inconsciente,
propondo uma transformação no modo de pensar do homem. Tanto o dadaísmo quanto
o surrealismo se opunham ferrenhamente à guerra e eram contra o pensamento
burguês comum.
O futurismo, por outro lado, considerava a guerra como a “única
verdadeira higiene do mundo”. Esta máxima, utilizada pelo italiano Marco
Bellocchio em seu filme Vincere, para ilustrar a relação entre o pensamento
totalitarista do fascismo e a corrente futurista, aponta que os ideais de transformação
dos futuristas estavam imbuídos de valores fascistas.
Em Vincere, Bellocchio traça a trajetória de Ida Dalser, que
reivindicava a legitimação pública como esposa de Benito Mussolini, então líder
fascista em ascensão. Essa subida ao poder é mostrada pelo diretor com uma
plasticidade que recorre a algumas características do futurismo; ao longo da
narrativa, os acontecimentos históricos são abordados com o uso de imagens de
arquivo e notícias de jornais da época. Letras saltam sobre a imagem,
contribuindo para a atmosfera de tensão crescente que Bellocchio deseja
conferir à sua obra. Em dado momento, Mussolini visita uma exposição futurista,
selando a união entre a arte futurista e a política fascista e assim, vemos de
relance algumas das famosas obras de artistas que fizeram parte do movimento.
Este período histórico de ascensão do poder totalitário em
alguns países da Europa é o ponto de partida para que o diretor Peter Cohen
delineie, no documentário Arquitetura da Destruição, a teoria de que as bases
do nazismo na Alemanha tenham sido construídas em grande parte com um
pensamento mais artístico do que político. O interesse de Hitler na arte
clássica, por exemplo, influenciara muito a sua visão de mundo segundo os
ideais greco-romanos, o que se revela de forma nítida nos seus projetos arquitetônicos
para várias cidades europeias.
Cohen estrutura todo o seu filme de forma a investigar as
relações entre a arte e o nazismo. Enquanto Bellocchio nos mostra, em Vincere,
que a presença do duce italiano na exposição futurista representava uma
legitimação da arte pelo poder, resultante da associação deliberada e subseqüente
apoio do futurismo à ideologia fascista, em Arquitetura da Destruição, Cohen apresenta
uma tentativa do Terceiro Reich em associar-se, ideológica e esteticamente, a
uma arte clássica. Para tanto, Hitler inicia um processo de restrição de
liberdades criativas e destruição de obras realizadas pelo movimento
expressionista. Em 1937, os nazistas inauguram a exposição de Arte Degenarada
(Entartete Kunst), onde obras de artistas expressionistas eram apresentadas
como produto plástico de mentes subversivas que exaltavam a doença psicológica
e a deformidade física.
Em Arquitetura da Destruição, o ideal utópico megalomaníaco
do totalitarismo se configura como oposição máxima ao que defendiam os dadaístas
e os surrealistas. Enquanto na Itália o movimento futurista esvaía-se na
própria ideologia, marcada como anti-humanista e rechaçada tão logo o fascismo
entrasse em derrocada, o surrealismo propunha novos parâmetros de pensamento
liberto da moral e o dadaísmo legitimava seu lugar na história da arte como o
movimento responsável por abrir um caminho novo e repleto de possibilidades,
onde a ideia se apresentava livre da tradição estética, permitindo uma
abrangência condizente com o cenário em constante transformação do mundo
moderno.
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