quinta-feira, 17 de maio de 2012

Vincere, de Marco Bellocchio + Arquitetura da Destruição, de Peter Cohen + Ballet Mécanique, de Fernand Léger




Em 1924, com o filme Ballet Mécanique, o artista Fernand Léger levava para o cinema de vanguarda um discurso acerca da velocidade do trabalho maquinal numa sociedade industrializada, em que novos elementos, como os produtos manufaturados, contrastam com a presença humana. Léger discorre sobre a interpretação de significados dentro de uma obra, mostrando cenas como aquela em que imagens do número zero ganham um sentido diverso na medida em que são relacionadas com determinada frase. O recurso da repetição está presente e estrutura o filme. As imagens de Ballet Mécanique remetem à velocidade maquinal presente na rotina da sociedade industrializada. Este tema de interesse para Léger se relaciona diretamente com os fundamentos do futurismo idealizado por Filippo Tommaso Marinetti, especialmente a paixão pela velocidade e pela tecnologia.



À época de Ballet Mécanique, os artistas do chamado cinema avant-garde encontraram nas imagens em movimento um campo vasto para a pesquisa de um novo espaço plástico; Léger explora abundantemente as trucagens possibilitadas pela montagem, por exemplo, e essa investigação de uma tecnologia relativamente recente permitia ao artista criar obras de arte que se colocassem como uma resposta – e como uma crítica- ao academicismo. Tal postura em relação à tradição acadêmica era uma das características do dadaísmo, que buscava desafiar o status quo em todas as suas instâncias e fora responsável por introduzir, com Marcel Duchamp, a noção de arte enquanto ideia, assim como a afirmação de que ela poderia ser realizada a partir de qualquer coisa. Em seu espírito transgressor, porém, o dadaísmo pouco se assemelha ao futurismo. Enquanto o primeiro buscava uma liberdade expressiva total, onde a guerra era, sobretudo, o alvo de uma indignação crítica, o segundo exaltava a guerra e consolidava seus preceitos sobre bases totalitaristas.

É importante apontar que o ano de Ballet Mécanique foi também o ano em que o poeta francês André Breton lançava o surrealismo, que, de forma semelhante ao dadaísmo, mas com outro viés, buscava uma revolta contra os moldes estabelecidos pela sociedade e prezava a libertação do inconsciente, propondo uma transformação no modo de pensar do homem. Tanto o dadaísmo quanto o surrealismo se opunham ferrenhamente à guerra e eram contra o pensamento burguês comum.
O futurismo, por outro lado, considerava a guerra como a “única verdadeira higiene do mundo”. Esta máxima, utilizada pelo italiano Marco Bellocchio em seu filme Vincere, para ilustrar a relação entre o pensamento totalitarista do fascismo e a corrente futurista, aponta que os ideais de transformação dos futuristas estavam imbuídos de valores fascistas.

Em Vincere, Bellocchio traça a trajetória de Ida Dalser, que reivindicava a legitimação pública como esposa de Benito Mussolini, então líder fascista em ascensão. Essa subida ao poder é mostrada pelo diretor com uma plasticidade que recorre a algumas características do futurismo; ao longo da narrativa, os acontecimentos históricos são abordados com o uso de imagens de arquivo e notícias de jornais da época. Letras saltam sobre a imagem, contribuindo para a atmosfera de tensão crescente que Bellocchio deseja conferir à sua obra. Em dado momento, Mussolini visita uma exposição futurista, selando a união entre a arte futurista e a política fascista e assim, vemos de relance algumas das famosas obras de artistas que fizeram parte do movimento.

Este período histórico de ascensão do poder totalitário em alguns países da Europa é o ponto de partida para que o diretor Peter Cohen delineie, no documentário Arquitetura da Destruição, a teoria de que as bases do nazismo na Alemanha tenham sido construídas em grande parte com um pensamento mais artístico do que político. O interesse de Hitler na arte clássica, por exemplo, influenciara muito a sua visão de mundo segundo os ideais greco-romanos, o que se revela de forma nítida nos seus projetos arquitetônicos para várias cidades europeias.



Cohen estrutura todo o seu filme de forma a investigar as relações entre a arte e o nazismo. Enquanto Bellocchio nos mostra, em Vincere, que a presença do duce italiano na exposição futurista representava uma legitimação da arte pelo poder, resultante da associação deliberada e subseqüente apoio do futurismo à ideologia fascista, em Arquitetura da Destruição, Cohen apresenta uma tentativa do Terceiro Reich em associar-se, ideológica e esteticamente, a uma arte clássica. Para tanto, Hitler inicia um processo de restrição de liberdades criativas e destruição de obras realizadas pelo movimento expressionista. Em 1937, os nazistas inauguram a exposição de Arte Degenarada (Entartete Kunst), onde obras de artistas expressionistas eram apresentadas como produto plástico de mentes subversivas que exaltavam a doença psicológica e a deformidade física.

Em Arquitetura da Destruição, o ideal utópico megalomaníaco do totalitarismo se configura como oposição máxima ao que defendiam os dadaístas e os surrealistas. Enquanto na Itália o movimento futurista esvaía-se na própria ideologia, marcada como anti-humanista e rechaçada tão logo o fascismo entrasse em derrocada, o surrealismo propunha novos parâmetros de pensamento liberto da moral e o dadaísmo legitimava seu lugar na história da arte como o movimento responsável por abrir um caminho novo e repleto de possibilidades, onde a ideia se apresentava livre da tradição estética, permitindo uma abrangência condizente com o cenário em constante transformação do mundo moderno.

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